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quinta-feira, 3 de março de 2011

As áreas de preservação permanentes (APPs): os rios e suas matas ciliares.



Colaborador Roberto Rocha

"E como os cílios que protegem os olhos, as florestas que margeiam os rios são protetoras da águas e de todas as vidas que habitam nelas".

Me perguntaram o que eu achava das recentes discussões e propostas para reforma do Código Florestal (Lei 4.771, de 1965), especialmente na questão que trata das APPs (áreas de preservação permanentes) e as matas ciliares. A lei explica o seguinte:

Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.

Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.


Minhas considerações são as seguintes: “não é exatamente para se achar nada, porque o assunto foi debatido no passado e pessoas de bom senso – incluindo brilhantes empresários não imediatistas – não tinham nenhuma dúvida sobre a importância dessas áreas sensíveis e indispensáveis para o bom funcionamento dos ecossistemas”. Tanto isso é verdade, que uma série de leis e resoluções brasileiras e documentos internacionais, reforçaram a necessidade de existência das matas ciliares. É muito estranho, e mesmo insustentável, que de uma hora para outra, se deseje repensar uma determinação que foi construída através de reflexões profundas de pessoas sérias e idôneas. Suprimir ou diminuir essas áreas representa um retrocesso inconsequente e irresponsável. As matas ciliares contribuem para o correto funcionamento dos ecossistemas e seus serviços. O tema, não é – como muita gente afirma - "uma questão estritamente ecológica". A vegetação das margens dos rios contribuem para a “economia do país”. Não estamos falando de plantinhas ameaçadas, nem de bichinhos interessantes e coloridos. Estamos falando de dinheiro, muito dinheiro. De uma grana que já está sendo mantida e reproduzida com a direta participação das áreas de preservação permanentes. Não fossem as APPs e nós já estaríamos “pagando” milhões e milhões em dólares, euros e reais, por prejuízos incomensuráveis. O argumento que acho razoável, é que : “não adianta ganhar muito num curto tempo e ter que pagar mil vezes mais depois, para cobrir os prejuízos acumulados”. Não gosto da idéia "o futuro é agora". Talvez fosse melhor: "o passado nos sugere o futuro". Veja o caso recente da região serrana no Estado do Rio de Janeiro. Nós ocupamos as áreas que deveriam ser de preservação permanentes. Invadimos vales que - pela presença dos enormes matacões (pedras imensas roladas de pontos mais altos) – já nos sinalizava que o fenômeno poderia se repetir, embora não marcasse data de compromisso. Quanto já tivemos de prejuízos? Quanto ainda vamos continuar a ter? Se mesmo com a proteção das matas ciliares remanescentes nós estamos agora sofrendo inundações e perdendo culturas por conta do aquecimento global, imagine o que os dois eventos juntos - eliminação das matas e despejo rápido das águas - poderão fazer de modo negativo? Veja o caso das águas barrentas de centenas de rios brasileiros. Elas nos indicam que a transparência das águas foi prejudicada pelo excesso de sedimentos não contidos pela vegetação das margens. Estamos perdendo solo. Como uma economia baseada em culturas, pode se manter sem solo? E a água? Vamos irrigar as plantas com drogas químicas, virus, bactérias e ovos de vermes? Você tem idéia da quantidade de esgotos não tratados, terra em suspensão, fertilizantes e drogas químicas lançados nas águas dos rios?. Os rios estão sendo descaracterizados.

Numa aula de educação ambiental eu tinha perguntado para uma turma de crianças: o que é um rio? Um aluno me respondeu com segurança: “ é um lugar sujo, fedorento, cheio de ratos e plásticos”. Eu não perdi a pose. Perguntei para ele: onde você mora? Ele disse, na comunidade. Continuei: e você já saiu dali alguma vez, para visitar outros lugares? Ele falou: não, nunca sai dali. Não conheço outros lugares mais distantes, mas já vi na televisão um lugar que chamaram de rio. Tinha muitas árvores nas margens, muitos peixes, muitas aves, a água era limpinha! Eu até bebia aquela água se tivesse sede! Mas pra mim, aquilo ali era anuncio de televisão. Tudo é enfeitado, pra convencer as pessoas sobre alguma coisa que eles desejam vender. Só para enganar, entende? Não existe! Parei um instante. De certa forma, já esperava algo parecido, mas – mesmo assim – me veio um sentimento muito triste. Lembro de um lema ecológico muito divulgado: conhecer para preservar! Me veio a pergunta: por que alguém preservaria algo tão feio e tão nojento? Essa criança será o adulto de amanhã. Levará da sua infância a noção de que os rios são coisas sujas, para despejar porcarias. Sem graça, sem vida, sem opções. Certamente, esse cidadão futuro, não vai se incomodar com debates ou discussões para “proteger os rios”. Muito ao contrário, ele vai votar a favor de acabar com tais cenas deprimentes, dos rios em agonia que se espalham pelo país. Mas não é só isso. Logo alguém vai dar um jeito de “enterrar a sujeira” e concretar qualquer possibilidade de vida naquele espaço natural precioso do passado. Placas impermeabilizadas vão sepultar plantas aquáticas, invertebrados, peixes, tartarugas, jacarés e qualquer forma biológica que tenha a pretensão de sobreviver nesse novo ecossistema construído. Vão esconder os ratos, os plásticos, o fedor, os esgotos urbanos desviados irresponsavelmente para os rios (ou canais?). E daqui a dez anos, não teremos somente um aluno respondendo com segurança o que seja um rio. Teremos toda a turma, teremos a comunidade inteira, inclusive você...

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