Colaborador Roberto Rocha
As enchentes e alagamentos costumam infernizar a vida de qualquer urbano, seja o transeunte comum, seja o comerciante, seja o cão, o gato, ou qualquer outra criatura bípede voadora ( o pardal exótico, o pombo exótico). Soluções tecnológicas têm sido testadas para controlar esses fenômenos ditos "inconvenientes", mas todas dependem de mecanismos de controle manual ou eletrônico. Imagine faltar energia elétrica, justamente nessa hora, para acionar as máquinas e sistemas programados! A questão é que os humanos resolveram concretar, cimentar e impermeabilizar tudo que possa ser naturalmente poroso. Poroso quer dizer "cheio de poros", ou melhor cheio de "caminhos" ou microtubos, por onde pode circular a água, os gases e a vida. O solo - a camada mais superficial - é um sistema complexo, com elementos bióticos e abióticos em interação permanente. No entanto, essa riqueza de relações depende, fundamentalmente, da presença de organismos vivos e seus cadáveres (ricos em nutrientes). Muitos deles são microscópicos e não podem ser vistos a olho nú, mas são bilhões e bilhões. É quase impossível querer contá-los um por um, como um corpo de animal vertebrado. Esses organismos são verdadeiros "reservatórios provisórios de água". Guardam dentro deles uma quantidade absurda de líquido, formando um imenso tapete absorvente subterrâneo. Não existe ali nenhum ferro nem concreto para manter essa estrutura flexível e móvel. Nenhuma máquina eletrônica para controlar o processo de captação e liberação da água do entorno. Dessa forma, quando visitamos uma área "verde" preservada, é possível perceber que existe ali uma permeabilidade perfeita, exceto em solos argilosos (que dificultam a drenagem). Os organismos que acumulam água tem a vantagem de se multiplicarem indefinidamente, sem qualquer controle publico ou privado. Se somarmos as recentes mudanças climáticas - que inclui chuvas muito pesadas concentrando-se em alguns pontos - mais uma urbanização desordenada e um ineficiente sistema de drenagem superficial e subterrâneo (que inclui o "sequestro de água": entenda-se aqui os corpos dos organismos), teremos então, um quadro de desastres. O desrespeito à legislação que proíbe a retirada das matas ciliares é também fato notório nas áreas urbanas. Você já viu um rio de cidade? Para onde foi a "mata ciliar"? Com certeza está ocupada por ruas e estradas. Isso pode ser visto em todas as cidades brasileiras e de outros países também. Elas deveriam manter a vegetação "nativa" (e não mangueiras, eucaliptos e outras exóticas). Esse "corredores verdes" deveriam interligar as "praças verdes", porosas, permeáveis, absorventes, com todos os seus sistemas de raízes, bichos grandes, bichos pequenos, vermes, protozoários, bactérias, fungos e tantos outros organismos maravilhosos que reciclam o mundo sem nos cobrar absolutamente nada. Esses reservatórios vivos acumulam dentro deles, pelo menos, 70% de água do ambiente. Cada organismo que nasce, representa um novo espaço. Quando existe vida nas margens, essas pequenas caixas - são bilhões delas - funcionam como pontos de retenção de água. No entanto, se a vida é eliminada, não há como sustentar essas redes que se multiplicam, biologicamente falando, e fazem o serviço de retenção, sem qualquer custo para o governo. O acúmulo de água a céu aberto - sem estar dentro dos organismos - gera outros problemas sérios, do ponto de vista sanitário. A maneira mais segura e barata para "reter água" é usar organismos vivos. Você já pensou na quantidade de água que esta circulando hoje, "guardada" em bilhões de pessoas vivas no mundo? Faça a conta ! É só multiplicar 50 litros por alguns bilhões. E nos animais? E nas plantas? É muita água... Infelizmente, as soluções naturais são negligenciadas porque não "vendem serviços e produtos". São "de graça"! Não usam computadores, não gastam combustíveis fósseis, não precisam de máquinas transportadoras de cargas e de pessoas. Como isso pode interessar ao sistema capitalista? Fazer algo sem "lucrar" alguma coisa? Sem "engordar" as contas no banco? Nossa cultura europeia tropicalizada nos ensinou a produzir, comprar e vender. A cultura indígena selvagem autêntica, ensina a colher, abater, consumir, trocar e respeitar (sem acumular nada de modo exagerado). Embora tenhamos assimilado alguma tradições antigas, como andar quase pelado (praias) e usar pinturas no corpo (tatuagens), também manivemos a idéia mais recente de "fazer dinheiro rapidamente". Essa perseguição pelo "vil metal" tem transtornado as nossas mentes e a nossa vida contemporânea na linha do Equador. No lugar de soluções mirabolantes, deveríamos refletir, um pouco mais, sobre como resolver alguns problemas das cidades brasileiras. Quem sabe, considerar soluções mais naturais e menos tecnicistas?. O paisagismo por sí só, fortemente afetado pela estética, não conseguiu atender às complexas exigências ecológicas de um país megadiverso como o Brasil. Precisamos aprender a exaltar a natureza e suas soluções, incrívelmente inteligentes. Renegar pressões corporativistas pouco cuidadosas, dando-se preferência às soluções que valorizem os interesses econômicos, sociais e ambientais, sabiamente equilibrados, tarefa difícil de se cumprir, em busca da equidade. Mesmo a alardeada sustentabilidade continua ainda muito centrada na ecoeficiência e na reciclagem, sem mudanças mais profundas. Vai levar um tempo para aceitar que não podemos privilegiar o econômico humano e menosprezar o econômico ambiental. Vai levar um tempo para aceitar que não existe esta separação homem-natureza, convencionada pela visão antropocentrista. Enquanto isso, nos resta torcer pelas novas gerações, para que elas possam mudar esse equivocado paradigma, que começou com a Revolução Industrial, e ainda permanece entre nós, como se fosse algo verdadeiro e eterno, imutávelmente endurecido e enfumaçado.
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