Pesquisar este blog

sábado, 20 de novembro de 2010

O pré-socrático Thales: a água como elemento primordial

Roberto Rocha

Se voltarmos na história, vamos nos deparar com um incrível filósofo que falava de física alguns séculos antes do nascimento de Cristo. Esse “fisicalista” tentava conceber o mundo a partir de um elemento natural muito conhecido, substância simples e ao mesmo tempo tão necessária: a água.

O pensador Thales foi um dos sete sábios da Grécia e dominava conhecimentos importantes aprendidos na Babilônia: astronomia e meteorologia, o que lhe permitiu destacada atuação na agricultura, conforme contam as conversas da época, nem todas acompanhadas de uma razoável credibilidade. Valorizou a importância da água, num tempo onde ela era pura no mundo hidrosférico, ainda sem revolução industrial. A água seria o princípio de todo o universo. Sua capacidade de mutação, ora nas nuvens, ora num rio, ou mesmo compondo o nosso corpo, faria dela um elemento mágico.
Depois de muitos séculos, estamos vivendo um momento crítico que nos faz lembrar de Thales, que dizia: “tudo é um”, e a razão é uma extensão da natureza. Muito incrível esta afirmação! Com base nesta genial sacada, devemos considerar seriamente tudo o que estiver envolvendo a água na atual cultura consumista globalizada, já que ela pode estar em diferentes locais de uma hora para outra.

Seu valor econômico passa a ser estratégico num sistema competitivo com o qual infelizmente fomos forjados. É possível que, de modo equivocado, muita gente pretenda entender a natureza como competitiva também. Não é verdade! A natureza é cooperativa. Ela é inteligente. Quem é inteligente sabe valorizar as forças que o cercam e as usa de modo adequado para a causa principal: a evolução. Como seres vivos que somos, como ambiente que somos, não podemos compreender a água como apenas um elemento isolado, como uma “coisa” a ser apropriada num momento “x” da produção e depois, ser descartada sem maiores cuidados e preocupações com o seu futuro. Parece estranho falar de saúde da água?

Ou melhor qualidade da água? De sua disponibilidade natural? Sabemos muitas coisas sobre potabilidade e balneabilidade: mas apenas para os humanos? Na praia vemos a placa: PROPRIA! Ou então: IMPRÓPRIA!. Para quem? Para os peixes? Para os moluscos? Para os crustáceos? Para os equinodermos (estrela-do-mar)? Para os celenterados (água-viva)? Continuamos a cultivar o antropocentrismo da idade moderna. Somos o centro. Tudo deve girar em torno do homem. Nossa população passou dos limites naturais e agora invadiu as terras de todo o planeta. Cada povo, em suas conquistas e explorações, costuma levar com ele as espécies com as quais está familiarizado e com isso introduz criaturas exóticas onde elas não deveriam estar. Espécies nativas são exterminadas ou suas populações sofrem baixas irrecuperáveis.
Outras são rapidamente substituídas por convicção econômica. Perdemos insubstituíveis genomas. Estamos perdendo agora a estabilidade físico-química das bacias hidrográficas e das águas subterrâneas. O mundo quer água. Precisa dela, urgentemente. Rinocerontes africanos estão sendo translocados de um lugar para outro, para não morrerem de sede em suas áreas naturais. Uma em cada cinco lavadeiras (ordem Odonata, Insecta) na região do Mediterrâneo está ameaçada por escassez de água. Para onde foi a água? Os animais estão precisando de água: os selvagens. Eles não geram lucros rápidos e ficam em segundo plano no atendimento, dependentes de verbas governamentais, da atenção política para o seu papel ecológico num mundo de homens e corporações que se expandem cada vez mais. Preocupante a informação que anuncia a quebra da barreira dos nove bilhões de humanos no planeta, por volta de 2050. Somos eficientes armazenadores de água circulando por aí, como mini-oceanos ambulantes hipossalinos. Precisamos parar para pensar como hidratar tanta gente, com a insubstituível água.

Uma pessoa adulta de 70 quilos retém em seu corpo cerca de 40 litros de água durante sua vida, até que morra. Quando isso ocorre, a água é outra vez liberada para retornar ao ecossistema. É possível que uma boa parte se infiltre no solo. Outra parte dela deverá compor o corpo dos decompositores e demais organismos associados a eles que vão se multiplicar a partir da matéria sem vida. Isso tudo sem contar a água que vai para a atmosfera.Se imaginarmos que o mundo fosse constituído somente por humanos com 70 kg de peso, nós estaríamos retendo - em 2050 -, cerca de 360.000.000.000 (trezentos e sessenta bilhões de litros de água). Isso, sem contar a água usada para banho do corpo, escovação dos dentes e lavagem da boca, lavagem de alimentos, cocção de alimentos, lavagem de roupa, descarga de banheiro sanitário, lavagem de carros, lavagem de calçadas, cuidados com plantas e jardins (as plantas também retêm água) e tantos outros usos. Nos oceanos flutua uma infinita quantidade de seres microscópicos cujos corpos não são visíveis aos nossos olhos. Se pudéssemos vê-los teríamos a sensação de uma mancha de vida quase que contínua em vez de ondas de “água”.

A produção de alimentos é também um imenso sumidouro de água. Considerando que a pecuária brasileira representa hoje um dos pilares do nosso desenvolvimento econômico, resta-nos não descuidar das nossas bacias hidrográficas A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) elaborou um folder (dezembro de 2005) que ajuda um “fazendeiro” a estimar o consumo de água com humanos, suínos, aves e bovinos numa propriedade rural. Por exemplo, cada humano consome cerca de 180 litros de água por dia em suas rotinas mais comuns. Se numa fazenda trabalharem 50 pessoas, elas gastarão cerca de 9.000 (nove mil) litros de água num só dia. Um bovino de corte com 566 kg gastará 46 litros de água por dia. Isso significa que num plantel com 5.000 bovinos, eles consumirão cerca de 230.000 (duzentos e trinta mil) litros de água a cada dia. Cada vaca em lactação, por sua vez, consome muito mais, exigindo cerca de 62 litros de água por dia. Suínos entre 157 e 230 dias consomem 20 litros, diariamente. Nesses cálculos não foi incluída a água usada para a lavagem das instalações. Entenda que, na maioria dos casos, são necessários alguns meses até que o produto final chegue ao consumidor. Enquanto isso, haja água...

Cada quilo do que chamamos de carne representa “um pacote” de água com alguns nutrientes organizados geneticamente. O Brasil é um grande exportador de água para os países onde ela começa a ficar escassa. É um de nossos grandes trunfos econômicos: o nosso ouro líquido. Não precisamos usar nenhuma tecnologia mais sofisticada para chegar até ela. Basta se abaixar e beber. Basta encaminhá-la para onde desejamos.
A questão principal é que a água, assim como os demais componentes de qualquer ecossistema, precisa ser cuidadosamente monitorada, de modo a não desviá-la para propósitos exclusivamente econômicos, causando desequilíbrios irrecuperáveis à saúde ambiental. A água que vive aprisionada em todos os seres do mundo, unicelulares e pluricelulares, representa um recurso estratégico incomensurável.
Nós somos água, gostando ou não da idéia. É meio estranho saber que quando estamos sentados numa cadeira de executivo, determinando a vida e a morte, através de nossas decisões rotineiras, sejamos tão líquidos e tão descartáveis. Tão logo acaba a troca gasosa, o nosso código genético deixa de ter o controle de nossa estrutura corpórea organizada e nós nos desmantelamos nas partes que devem voltar para cada um dos reservatórios do planeta. O Ganges que o diga...

Numa bactéria, numa planta, numa nuvem ou num rio, vamos continuar nossa missão ecossistêmica; disfarçados e irreconhecíveis. Fomos educados e condicionados a ver água como um bem líquido que nós apenas usamos ou pagamos para que chegue até as nossas casas, sem considerar qualquer conotação pessoal. Thales estava certo: a água é a razão de tudo! Precisamos “beber” o corpo de alguém, todos os dias para viver. Talvez, se pensarmos dessa forma, quem sabe nós tenhamos um maior cuidado com o que restou de nossos antepassados?

Nenhum comentário:

Postar um comentário