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domingo, 10 de julho de 2011

Das permeabilidades físicas, das estratégias biológicas, das culturas engessadas e das questões urbanas contemporâneas.

Colaborador Roberto Rocha

As enchentes e alagamentos costumam infernizar a vida de qualquer urbano, seja o transeunte comum, seja o comerciante, seja o cão, o gato, ou qualquer outra criatura bípede voadora ( o pardal exótico, o pombo exótico). Soluções tecnológicas têm sido testadas para controlar esses fenômenos ditos "inconvenientes", mas todas dependem de mecanismos de controle manual ou eletrônico. Imagine faltar energia elétrica, justamente nessa hora, para acionar as máquinas e sistemas programados! A questão é que os humanos resolveram concretar, cimentar e impermeabilizar tudo que possa ser naturalmente poroso. Poroso quer dizer "cheio de poros", ou melhor cheio de "caminhos" ou microtubos, por onde pode circular a água, os gases e a vida. O solo - a camada mais superficial - é um sistema complexo, com elementos bióticos e abióticos em interação permanente. No entanto, essa riqueza de relações depende, fundamentalmente, da presença de organismos vivos e seus cadáveres (ricos em nutrientes). Muitos deles são microscópicos e não podem ser vistos a olho nú, mas são bilhões e bilhões. É quase impossível querer contá-los um por um, como um corpo de animal vertebrado. Esses organismos são verdadeiros "reservatórios provisórios de água". Guardam dentro deles uma quantidade absurda de líquido, formando um imenso tapete absorvente subterrâneo. Não existe ali nenhum ferro nem concreto para manter essa estrutura flexível e móvel. Nenhuma máquina eletrônica para controlar o processo de captação e liberação da água do entorno. Dessa forma, quando visitamos uma área "verde" preservada, é possível perceber que existe ali uma permeabilidade perfeita, exceto em solos argilosos (que dificultam a drenagem). Os organismos que acumulam água tem a vantagem de se multiplicarem indefinidamente, sem qualquer controle publico ou privado. Se somarmos as recentes mudanças climáticas - que inclui chuvas muito pesadas concentrando-se em alguns pontos - mais uma urbanização desordenada e um ineficiente sistema de drenagem superficial e subterrâneo (que inclui o "sequestro de água": entenda-se aqui os corpos dos organismos), teremos então, um quadro de desastres. O desrespeito à legislação que proíbe a retirada das matas ciliares é também fato notório nas áreas urbanas. Você já viu um rio de cidade? Para onde foi a "mata ciliar"? Com certeza está ocupada por ruas e estradas. Isso pode ser visto em todas as cidades brasileiras e de outros países também. Elas deveriam manter a vegetação "nativa" (e não mangueiras, eucaliptos e outras exóticas). Esse "corredores verdes" deveriam interligar as "praças verdes", porosas, permeáveis, absorventes, com todos os seus sistemas de raízes, bichos grandes, bichos pequenos, vermes, protozoários, bactérias, fungos e tantos outros organismos maravilhosos que reciclam o mundo sem nos cobrar absolutamente nada. Esses reservatórios vivos acumulam dentro deles, pelo menos, 70% de água do ambiente. Cada organismo que nasce, representa um novo espaço. Quando existe vida nas margens, essas pequenas caixas - são bilhões delas - funcionam como pontos de retenção de água. No entanto, se a vida é eliminada, não há como sustentar essas redes que se multiplicam, biologicamente falando, e fazem o serviço de retenção, sem qualquer custo para o governo. O acúmulo de água a céu aberto - sem estar dentro dos organismos - gera outros problemas sérios, do ponto de vista sanitário. A maneira mais segura e barata para "reter água" é usar organismos vivos. Você já pensou na quantidade de água que esta circulando hoje, "guardada" em bilhões de pessoas vivas no mundo? Faça a conta ! É só multiplicar 50 litros por alguns bilhões. E nos animais? E nas plantas? É muita água... Infelizmente, as soluções naturais são negligenciadas porque não "vendem serviços e produtos". São "de graça"! Não usam computadores, não gastam combustíveis fósseis, não precisam de máquinas transportadoras de cargas e de pessoas. Como isso pode interessar ao sistema capitalista? Fazer algo sem "lucrar" alguma coisa? Sem "engordar" as contas no banco? Nossa cultura europeia tropicalizada nos ensinou a produzir, comprar e vender. A cultura indígena selvagem autêntica, ensina a colher, abater, consumir, trocar e respeitar (sem acumular nada de modo exagerado). Embora tenhamos assimilado alguma tradições antigas, como andar quase pelado (praias) e usar pinturas no corpo (tatuagens), também manivemos a idéia mais recente de "fazer dinheiro rapidamente". Essa perseguição pelo "vil metal" tem transtornado as nossas mentes e a nossa vida contemporânea na linha do Equador. No lugar de soluções mirabolantes, deveríamos refletir, um pouco mais, sobre como resolver alguns problemas das cidades brasileiras. Quem sabe, considerar soluções mais naturais e menos tecnicistas?. O paisagismo por sí só, fortemente afetado pela estética, não conseguiu atender às complexas exigências ecológicas de um país megadiverso como o Brasil. Precisamos aprender a exaltar a natureza e suas soluções, incrívelmente inteligentes. Renegar pressões corporativistas pouco cuidadosas,  dando-se preferência às soluções que valorizem os interesses econômicos, sociais e ambientais, sabiamente equilibrados, tarefa difícil de se cumprir, em busca da equidade. Mesmo a alardeada sustentabilidade continua ainda muito centrada na ecoeficiência e na reciclagem, sem mudanças mais profundas. Vai levar um tempo para aceitar que não podemos privilegiar o econômico humano e menosprezar o econômico ambiental. Vai levar um tempo para aceitar que não existe esta separação homem-natureza, convencionada pela visão antropocentrista. Enquanto isso, nos resta torcer pelas novas gerações, para que elas possam mudar esse equivocado paradigma, que começou com a Revolução Industrial, e ainda permanece entre nós, como se fosse algo verdadeiro e eterno, imutávelmente endurecido e enfumaçado.

quinta-feira, 3 de março de 2011

As áreas de preservação permanentes (APPs): os rios e suas matas ciliares.



Colaborador Roberto Rocha

"E como os cílios que protegem os olhos, as florestas que margeiam os rios são protetoras da águas e de todas as vidas que habitam nelas".

Me perguntaram o que eu achava das recentes discussões e propostas para reforma do Código Florestal (Lei 4.771, de 1965), especialmente na questão que trata das APPs (áreas de preservação permanentes) e as matas ciliares. A lei explica o seguinte:

Área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2º e 3º desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.

Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas.


Minhas considerações são as seguintes: “não é exatamente para se achar nada, porque o assunto foi debatido no passado e pessoas de bom senso – incluindo brilhantes empresários não imediatistas – não tinham nenhuma dúvida sobre a importância dessas áreas sensíveis e indispensáveis para o bom funcionamento dos ecossistemas”. Tanto isso é verdade, que uma série de leis e resoluções brasileiras e documentos internacionais, reforçaram a necessidade de existência das matas ciliares. É muito estranho, e mesmo insustentável, que de uma hora para outra, se deseje repensar uma determinação que foi construída através de reflexões profundas de pessoas sérias e idôneas. Suprimir ou diminuir essas áreas representa um retrocesso inconsequente e irresponsável. As matas ciliares contribuem para o correto funcionamento dos ecossistemas e seus serviços. O tema, não é – como muita gente afirma - "uma questão estritamente ecológica". A vegetação das margens dos rios contribuem para a “economia do país”. Não estamos falando de plantinhas ameaçadas, nem de bichinhos interessantes e coloridos. Estamos falando de dinheiro, muito dinheiro. De uma grana que já está sendo mantida e reproduzida com a direta participação das áreas de preservação permanentes. Não fossem as APPs e nós já estaríamos “pagando” milhões e milhões em dólares, euros e reais, por prejuízos incomensuráveis. O argumento que acho razoável, é que : “não adianta ganhar muito num curto tempo e ter que pagar mil vezes mais depois, para cobrir os prejuízos acumulados”. Não gosto da idéia "o futuro é agora". Talvez fosse melhor: "o passado nos sugere o futuro". Veja o caso recente da região serrana no Estado do Rio de Janeiro. Nós ocupamos as áreas que deveriam ser de preservação permanentes. Invadimos vales que - pela presença dos enormes matacões (pedras imensas roladas de pontos mais altos) – já nos sinalizava que o fenômeno poderia se repetir, embora não marcasse data de compromisso. Quanto já tivemos de prejuízos? Quanto ainda vamos continuar a ter? Se mesmo com a proteção das matas ciliares remanescentes nós estamos agora sofrendo inundações e perdendo culturas por conta do aquecimento global, imagine o que os dois eventos juntos - eliminação das matas e despejo rápido das águas - poderão fazer de modo negativo? Veja o caso das águas barrentas de centenas de rios brasileiros. Elas nos indicam que a transparência das águas foi prejudicada pelo excesso de sedimentos não contidos pela vegetação das margens. Estamos perdendo solo. Como uma economia baseada em culturas, pode se manter sem solo? E a água? Vamos irrigar as plantas com drogas químicas, virus, bactérias e ovos de vermes? Você tem idéia da quantidade de esgotos não tratados, terra em suspensão, fertilizantes e drogas químicas lançados nas águas dos rios?. Os rios estão sendo descaracterizados.

Numa aula de educação ambiental eu tinha perguntado para uma turma de crianças: o que é um rio? Um aluno me respondeu com segurança: “ é um lugar sujo, fedorento, cheio de ratos e plásticos”. Eu não perdi a pose. Perguntei para ele: onde você mora? Ele disse, na comunidade. Continuei: e você já saiu dali alguma vez, para visitar outros lugares? Ele falou: não, nunca sai dali. Não conheço outros lugares mais distantes, mas já vi na televisão um lugar que chamaram de rio. Tinha muitas árvores nas margens, muitos peixes, muitas aves, a água era limpinha! Eu até bebia aquela água se tivesse sede! Mas pra mim, aquilo ali era anuncio de televisão. Tudo é enfeitado, pra convencer as pessoas sobre alguma coisa que eles desejam vender. Só para enganar, entende? Não existe! Parei um instante. De certa forma, já esperava algo parecido, mas – mesmo assim – me veio um sentimento muito triste. Lembro de um lema ecológico muito divulgado: conhecer para preservar! Me veio a pergunta: por que alguém preservaria algo tão feio e tão nojento? Essa criança será o adulto de amanhã. Levará da sua infância a noção de que os rios são coisas sujas, para despejar porcarias. Sem graça, sem vida, sem opções. Certamente, esse cidadão futuro, não vai se incomodar com debates ou discussões para “proteger os rios”. Muito ao contrário, ele vai votar a favor de acabar com tais cenas deprimentes, dos rios em agonia que se espalham pelo país. Mas não é só isso. Logo alguém vai dar um jeito de “enterrar a sujeira” e concretar qualquer possibilidade de vida naquele espaço natural precioso do passado. Placas impermeabilizadas vão sepultar plantas aquáticas, invertebrados, peixes, tartarugas, jacarés e qualquer forma biológica que tenha a pretensão de sobreviver nesse novo ecossistema construído. Vão esconder os ratos, os plásticos, o fedor, os esgotos urbanos desviados irresponsavelmente para os rios (ou canais?). E daqui a dez anos, não teremos somente um aluno respondendo com segurança o que seja um rio. Teremos toda a turma, teremos a comunidade inteira, inclusive você...

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Assistência aos animais vitimados pela tragédia que se abateu sobre a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro.

Colaborador Roberto Rocha

Saiba o que as afiliadas e parceiros da Sociedade Mundial de Proteção Animal – WSPA estão fazendo a favor dos animais vitimados pela tragédia que abalou a Região Serrana do Rio de Janeiro. Estamos repassando algumas informações que a WSPA nos enviou e que você pode ter acesso direto visitando os endereços abaixo.

Sociedade Mundial de Proteção Animal – WSPA.

Disponível em: < http://www.wspabrasil.org>. Acesso em: 20 jan. 2011.

A equipe da WSPA (especialistas em desastres da Costa Rica e Gerência de Programas Veterinários, realizou nesta terça e quarta-feira, dias 18 e 19-01, o primeiro levantamento sobra a situação dos animais em Nova Friburgo. A equipe já seguiu para a cidade de Teresópolis com o objetivo de identificar as principais necessidades dos animais em áreas de risco na região.

Segundo a gerente de programas veterinários da WSPA, Rosângela Ribeiro, o levantamento inicial demonstrou que as áreas mais afetadas e que necessitam de ajuda em Nova Friburgo são> Campo do Coelho, Córrego Dantas, Conselheiro Paulino (Alta Floresta) e Conquista.

Os médicos veterinários da WSPA visitaram as localidades, prestaram os primeiros socorros aos animais que estavam abandonados nas ruas e orientaram a comunidade sobre cuidados com os cães que já estavam em novos domicílios. Foram distribuídas rações, recolhidos animais e encaminhados para a Coordenação de Bem=-Estar Animal da Prefeitura de Nova Friburgo.


GAPA-MA - Grupo de Assistência e Proteção aos Animais e Meio Ambiente (seu espaço aberto para acompanhar e debater dos animais e do meio ambiente em Petrópolis e no mundo).

O GAPA - de Itaipava - está percorrendo os bairros do município e recolhendo animais abandonados.
Disponível em: < http://www.gapaitaipava.org.br> , Acesso em: 20 jan. 2011.

AnimaVida – ensinando o respeito pela vida
Disponível em: http://www.animavida.org. Acesso em: 20 jan.2011.


S.O.S Animal – Sociedade Brasileira de Proteção Animal e do Meio Ambiente.
Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2011.

Segundo informações da WSPA, esta sociedade já resgatou 200 animais dos bairros Caleme e Posse, em Teresópolis. A previsão é que se recolha em torno de 800 animais na região. Cerca de 20 deles já foram doados.

SEPDA – Secretaria de Promoção e Defesa Animal do Rio de Janeiro

Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/web/sepda. Acesso em: 20 jan. 2011.

A SEPDA enviará nesta quinta-feira, dia 20, 300kg de ração e medicamentos recolhidos nos postos de esterilização do órgão para a Coordenadoria de Bem Estar Animal de Nova Friburgo e para a ONG Combina, também em Nova Friburgo.

A expectativa é que outros órgãos, sociedades, profissionais da área e voluntários, venham juntar forças para cumprimento das diversas tarefas de ordem humanitária e de interesse publico.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

CRMV cadastra médicos veterinários e zootecnistas voluntários para ajuda na Região Serrana do RJ.

Colaborador Roberto Rocha
Recebemos mensagem via e-mail do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) com a informação de que o órgão está cadastrando voluntários - médicos veterinários e zootecnistas - para disponibilizar ajuda às cidades atingidas pela tragédia na Região Serrana.
A ação funcionará como força-tarefa que estará à disposição das Prefeituras das cidades atingidas pelas chuvas, que poderão solicitar esses voluntários ao Conselho.
As áreas de atuação dos voluntários são:
1. Saúde Pública/Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses (cuidados com alimentos em geral e controle de surtos de leptospirose e outras doenças)
2. Cuidados com animais de pequeno porte
3. Cuidados com animais de grande porte
4. Cuidados com animais silvestres
5. Educação sanitária à população.
Os médicos veterinários e zootecnistas que desejarem ser voluntários podem entrar em contato com o CRMV-RJ através do e-mail crmvrj@crmvrj.org.br, informando os seguintes dados:
a) Nome Completo
b) Número do CRMV-RJ
c) Área de atuação (conforme os itens acima)
d) Telefone para contato
Rio de Janeiro, 18/01/2011.Diretoria Executiva do CRMV-RJ

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Vales de lágrimas

Colaborador Roberto Rocha

Com profundo pesar lamentamos as perdas ocorridas na Região Serrana do Rio de Janeiro nesse início de 2011, especialmente as que afetaram os municípios de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis. Centenas de pessoas perderam suas vidas e seus bens. A agricultura ficou prejudicada numa região tradicionalmente produtora de hortaliças, entre outras. Uma grande mobilização uniu os governos federal, estadual e municípial, como nunca se viu. Questões políticas a parte, a catástrofe merece um comentário de cunho ecológico que pode ajudar a compreender porque tais fatos ocorreram e vão continuar a acontecer.
Geologicamente falando, os vales são espaços entre montanhas ou morros no fundo dos quais costuma passar um rio, fruto de um processo erosivo lento. As águas podem levar muitos anos para cavar essas "calhas" - formando um leito principal, além dos espaços laterais - para as épocas de enchentes. Infelizmente essas "laterais" são ocupadas ilegalmente com edificações, as mais diversas. As pedras soltas nos fundos dos vales já são suficientes para indicar que elas não nasceram ali. Na verdade elas rolaram das encostas íngremes por força da gravidade e foram, naturalmente, se acomodar nas reentrâncias naturais, mais baixas. As trombas dágua ou cabeças dágua ocorrem de tempos em tempos, como fenômenos cíclicos, sempre que há uma coincidência de determinados condições atmosféricos. Alguns desses fenômenos podem não causar prejuízos significativos e nem chegam a chamar a atenção da sociedade, resumindo-se a eventos pontuais. No entanto, quando a quantidade de água é muito grande, envolvendo toda uma região, não há como deixar de percebê-los. Se uma cabeça dágua dessas levar mais que 50 anos para ocorrer, você - adulto de 40 ou jovem de 18 - nem notará o que já houve ali. Uma floresta notável – que em 50 anos pode cobrir a região devastada- nos dá a sensação de que o local é um verdadeiro paraíso. E realmente é, mas não para os humanos. É um espaço para árvores e bichos próprios dessas gargantas. Nós humanos, imediatistas que somos, não desejamos aceitar um espaço tão grande “desocupado”. Então, desconhecendo ou não acreditando que algo possa ocorrer ali - embora as características geológicas locais indiquem claramente esta possibilidade - nós construímos nossas moradias exatamente nesses espaços = aparentemente firmes = situados entre as rochas íngremes e a calha principal do rio. É como fazem nas cidades - que antes eram áreas rurais - onde as estradas são construídas ao londo das margens, desrespeitando as leis. Animados com as terras “disponíveis”, lá vamos nós construir nossos sonhos e investir nossas economias em edificações e bens, desconhecendo o perigo. As águas podem chegar a 100 km por hora levando tudo que encontrar pela frente. Não há muito o que fazer. Quem lembra do Vale do Itajaí? Faz muito tempo não é? A maioria das pessoas já esqueceu... Você lembra de mais algum?

Bairros inteiros podem desaparecer em poucas horas quando a natureza resolve “trabalhar” o fundo dos vales. Devemos culpar a natureza ou a nossa inobservância? Milhares de pessoas morrem de tempos em tempos por desafiarem a força das águas. Passado o evento, o que fazemos? Vamos - outra vez - “reconstruir” onde a natureza já sinalizou que aquele espaço é dela e somente dela. Não é sem motivo, que as encostas íngremes e as margens do rios são definidas como áreas de preservação permanentes. A legislação atual não permite que se construa junto às margens dos rios justamente por reconhecer que esse fenômenos ocorrem de tempos em tempos, evitando assim - responsavelmente - a morte de humanos, animais, plantas, microorganismos ou ainda, prejuízos com perdas de bens e serviços. Os fundos dos vales não deveriam ter aglomerações de pessoas. As atividades ali desenvolvidas deveriam ser rigorosamente controladas, por exemplo a extração natural a partir de espécies nativas. Mesmo que demorem 50 anos para acontecer de novo, muitas vidas serão poupadas. A questão é que não temos o hábito salutar de planejar para algumas décadas. Nosso modelo de planejamento cobre apenas alguns anos, com base nas "condições políticas e econômicas vigentes" mas - raramente - com base nas condições climáticas muito distantes. Os municípios organizam seus planos diretores levando em consideração tais eventos? Todos os municípios possuem um Plano Diretor que é explicado para a população? As escolas poderiam ensinar para as crianças – desde cedo – o que é um Plano Diretor de uma cidade. Os alunos de hoje estarão amanhã, também ocupando novos espaços. Eles sabem como fazer isso? O fato de existir somente a legislação já mostrou que não funciona a contento. Se somos obrigados a conhecer as leis de trânsito, por que negligenciamos as leis de ocupação do solo? É uma questão que afeta a todos, independentemente de sua crença, opção sexual, cor ou poder aquisitivo. O que falta? Será que esse assunto não é tão importante quanto parece?

Os vales devem ser locais sagrados, habitados em especial por seus legítimos moradores: flora, fauna e microorganismos. Os humanos precisam se organizar melhor para lidar com forças tão poderosas, investir mais em conhecimento das áreas, capacitar as comunidades que possam ser afetadas de alguma forma por esses eventos extremos.

Além das questões locais e regionais, não devemos esquecer que estamos também sujeitos às alterações climáticas que se situam a muitos quilômetros de distância, como é o caso do El Niño e La Niña. O aquecimento global é uma realidade e os oceanos estão sofrendo alterações significatisvas em todos os sentidos. Os ventos estão mais fortes. As nuvens formam verdadeiros reservatórios aéreos com milhões de toneladas de peso sobre as nossas cabeças. Será que podemos simular e prever tais situações?. Será que - considerando as experiências já vividas - poderemos proibir que novas construções sejam feitas em determinados locais críticos? A legislação deve ser mais severa ainda para evitar que sejam ocupadas as áres de preservação permanentes. Se aceitarmos tais irresponsabilidades - mesmo por ignorância de outrem - teremos que assumir o peso dos prejuízos resultantes. Ou vales não podem ser ocupados como se estivéssemos em áreas planas. Os escorregamentos não acontecem nas baixadas, onde as inundações é que são frequentes. No entanto, as margens dos rios precisam ser "preservadas" a todo custo, seja na serra ou nas terras baixas.! Ou vamos continuar a encher os vales com as nossas lágrimas, que podem ser tantas que não haverá necessidade nem mesmo que o céu desabe sobre todos nós.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Grota, grotão, cova e lixão: nesses lugares eu não moro não!


Colaborador Roberto Rocha

A entrada do outono de 2010 mostrou uma nova faceta dos fenômenos geológicos, outra vez associados à interferência humana: a saturação de toneladas de água de chuvas intermitentes num solo instável e inclinado em meio a resíduos de diferentes fontes. O soterramento de dezenas de casas em Niterói (RJ) no morro do Bumba foi inevitável e rápido. Esses eventos de escorregamentos costumam ocorrer em encostas, depressões e grotas, comuns no Estado do Rio de Janeiro. Justamente por esse relevo diferenciado é que o assunto merece um tratamento especial. Nos dicionários em geral, consta que grota é “abertura na margem de um rio, feita pelas águas das enchentes”. Ou ainda: “vale profundo, depressão sombria e úmida numa encosta”. Somente as definições, sem qualquer explicação técnica mais apurada, nos indica que o local é totalmente impróprio para a ocupação humana. Grotão é “grota grande, depressão funda entre montanhas”. O nome cova igualmente não sugere habitabilidade humana: “abertura na terra; escavação profunda, cavidade, depressão; abertura que se faz na terra para plantar um vegetal ou lançar uma semente; buraco ou gruta onde se escondem certos animais; toca; sepultura; figurativamente significa fim da vida (estar com o pé na cova ou estar prestes a morrer). Segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT,1995), em seu manual de gerenciamento integrado, ao se referir ao lixo municipal – “é uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos, que se caracteriza pela simples descarga do lixo sobre o solo, sem medidas de proteção ao meio ambiente ou à saúde pública. O mesmo que descarga de resíduos a céu aberto”. Outras definições de lixão são também semelhantes. O que importa é que sendo uma forma inadequada de disposição, certamente não caberia seu uso para construções de qualquer tipo. No Projeto de Lei que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos consta que “destinação final ambientalmente adequada é técnica de destinação ordenada de rejeitos, segundo normas operacionais específicas, de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, minimizando os impactos ambientais adversos”. E ainda, que “gestão integrada de resíduos sólidos consiste em ações voltadas à busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões políticas, econômicas, ambientais, culturais e sociais, com a ampla participação da sociedade, tendo como premissa o desenvolvimento sustentável”. Ainda sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos está sugerido que ela será desenvolvida em consonância com as Políticas Nacionais de Meio Ambiente, de Educação Ambiental, de Recursos Hídricos, de Saneamento Básico, de Saúde, Urbana, Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior e as que promovam a inclusão social. Como se vê, existem propostas que podem apoiar legalmente as atividades que tratem desses assuntos tão impactantes em nossas almas e nos ecossistemas. Essas áreas deveriam ser restauradas para a flora e para a fauna fluminense e não se permitir mais que nelas fossem construídas novas residências. Poderiam ajudar a integrar os corredores florestais (ecológicos) - sobre os quais tanto se fala - e serem transformados em sistemas agroflorestais que poderiam ser manejados racionalmente e fornecer frutos para as doceiras, madeira para o artesanato e plantas medicinais para as comunidades, entre outros. Vegetais e animais estão adaptados para esses ecossistemas porque co-evoluíram com esses impactos, mas não o homem. Os grotões foram formados a partir de fenômenos cíclicos e devem continuar assim. O que falta? Daqui para frente esses fatos vão se agravar porque a pluviosidade está cada vez mais intensa e o tema merece um “choque de ordem”, já que o termo está na moda. Com a aprovação do PL que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos, mais cedo ou mais tarde, o Estado terá que assumir as responsabilidades previstas ou será responsabilizado por sua omissão. E quanto mais cedo forem tomadas as providências necessárias, tanto melhor para todos, especialmente num ano de eleições...